Chil Rajchman |
Com 25 anos abandona Lotz, levando consigo a
sua irmã Rivke, em direção a Pruszkow onde trabalha três vezes por semana num
campo de trabalho. Daí, os dois, serão deportados para o gueto de Varsóvia,
onde vivem uns meses, e, mais tarde, para Lublin de onde serão enviados para Treblinka.
Chil tinha então 28 anos, estávamos em outubro de 1942.
Chil é um dos poucos
sobreviventes do campo de extermínio de Treblinka, dos poucos que podem contar
a história deste local e testemunhar a sua existência (um dos 57 sobreviventes
dos 750 000 (?) judeus enviados para Treblinka para serem gaseados). É um dos
revoltosos que participa na rebelião de 2 de agosto de 1943, consegue fugir e permanece
escondido (em diferentes lugares) até ao final da guerra.
É durante o tempo que permanece escondido que decide redigir este
testemunho, é preciso que o mundo saiba...se for recapturado e morto ficarão
os seus escritos para provar os horrores de Treblinka. Talvez seja pelo facto
de escrever ainda durante a guerra que se nota, no seu relato, uma urgência
traduzida numa escrita muito direta e sem artifícios, o que sente é o que
realmente escreve - a leitura do seu testemunho pode, por isso mesmo, chocar os
mais sensíveis. Não procura reflectir sobre a realidade de que escapou, tão
somente pretende registar o que viu e sentiu.
O que nos descreve são momentos
de muita crueldade e desumanização:
- Chil introduz-nos no campo de extermínio de
Treblinka II no momento da chegada dos vagões superlotados (os comboios traziam
entre 50 a 60 vagões dos quais 20 eram separados e conduzidos ao campo de
extermínio, transportando cerca de 2000 pessoas...)
Estação de Treblinka, alguns anos após o final da Guerra |
"Os vagões tristes transportam-me para
este lugar. Vêm de toda a parte: de leste e de oeste, do norte e do sul. De dia
como de noite, em todas as estações: primavera, verão, outono, inverno. Os
comboios chegam lá sem percalços, incessantemente, e Treblinka prospera a cada
dia que passa. Quantos mais chegam, mais Treblinka consegue absorver." (Pág.21)
Seleção |
- a formação de duas filas
distintas (mulheres, de um lado, homens de outro, independentemente da
idade...),
- o deixar de todos os bens (incluindo a roupa que vestiam),
- a seleção
dos jovens para o trabalho (integrariam os tão polémicos sonderkommando),
- a intervenção
dos cabeleireiros",
"E assim desfilaram centenas de
mulheres, numa confusão de gritos e soluços. Quanto a mim, tinha-me tornado o autómato
que as despojava da sua cabeleira." (Pág.47)
Reconstituição do Campo de Treblinka |
- a passagem pelo "corredor" que conduz às câmaras
de gás,
"No fim do Schlauch encontra-se um edifício
branco assinalado por uma grande estrela de David. Está um alemão nos degraus
que aponta a entrada é diz sorrindo: "Façam favor!" Uns poucos de
degraus conduzem a um corredor decorado com flores. Das paredes pendem umas
toalhas compridas.
A câmara de gás mede sete metros por sete.
No meio da sala há uns ralos de duche por onde chega o gás. Um tubo corre ao
longo da parede para extrair o ar. As portas são calafetadas.
O edifício dispõe de dez câmaras de gás
como esta. Um pouco adiante, uma construção mais pequena abriga outras três." (Pág.30)
- a cremação dos corpos depois de gaseados...
- os gritos dos assassinos,
- as
súplicas das vítimas,
- os chicotes que não param de vergastar os corpos dos que
vão morrer e dos que "trabalham"...
- a invenção do
"grelhador" pelo SS Herbert Hoss, especialista em cremação...
- a fome,
o frio, as tarefas (quando se tenta descrever o indescritível...), a doença, o
MEDO, a MORTE, a AGONIA infinita, a revolta...
"Sim, sobrevivi um ano nas piores condições
de Treblinka. Depois da revolta do campo, passei dois meses às voltas antes de
chegar a Piastow. Em seguida, após a insurreição de Varsóvia, passei três meses
e meio num bunker da capital até ser libertado, a 17 de janeiro de 1945.
Sim, sobrevivi e sou livre, mas para quê?
Muitas vezes faço a mim próprio está pergunta. Para contar o assassínio de milhões
de vítimas inocentes, para dar testemunho do sangue inocente derramado por
esses assassinos.
Sim sobrevivi para dar testemunho desse
grande matadouro: Treblinka." (Pág.139)
Um testemunho muito inquietante
mas que, por isso mesmo, não pode ser ignorado.
Treblinka, nos dias de hoje |
O campo de Treblinka II é completamente arrasado pelos nazis em 1943. Pretendia-se destruir toda e qualquer evidência do extermínio aí perpetrado (estima-se que o número de judeus gaseados e reduzidos a cinzas ronde os 870.000 a 925.000). Logo após o final da Guerra a existência deste campo de extermínio foi, muitas vezes, posta em dúvida, apesar do testemunho dos poucos sobreviventes. Atualmente o local está convertido num memorial às vítimas e estudos (e escavações) procuram desvendar os vestígios que os nazis tão bem conseguiram ocultar.
Com o fim da guerra acaba por ir
viver para o Uruguai onde recomeça a sua vida, sempre preocupado com valores associados
à justiça, à tolerância e ao respeito pela diversidade.
Morre a 7 de maio de 2004, em Montevidéu.
Terá manifestado a vontade de que este seu relato só fosse publicado após a sua
morte e assim foi.
http://www.holocaustresearchproject.org/ar/treblinka/treblinkagallery/index.html