Este é o testemunho de Clara Schwarz, uma jovem
judia, que sobrevive ao Holocausto, escondida num bunker.
Clara Kramer |
“Desde o dia em que saí do bunker, fiz os possíveis
por viver uma vida digna. Dediquei-me à divulgação do Holocausto. O privilégio de
sobreviver traz consigo a responsabilidade de partilhar a história daqueles que
não sobreviveram.” (pág.11)
Dos cerca de cinco mil judeus que viviam em
Zolkiew, sobrevivem ao Holocausto menos de 50…entre os sobreviventes estão
Clara, o seu pai e a sua mãe.
Cerca de 60 anos depois de ser libertada, Clara, com a
colaboração de Stephen Glantz, decide escrever a sua história no livro que
agora divulgamos e que é baseado no diário que a própria escreveu, aos 15 anos,
quando se encontrava escondida no bunker .
O Diário de Clara
Museu do
Holocausto, Washington, EUA
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“Um dia, do nada, a mamã olhou para mim e disse:
- Clara, vais escrever um diário.
Eu fiquei espantada.
- Para quê? Eles vão matar-nos, de qualquer maneira.
- Se nos matarem, alguém encontrará o diário e
ficarão a saber aquilo por que passámos.
(…)
Mas assim que comecei a escrever, converti-me à
ideia. Seria um registo. Era algo para eu fazer todos os dias, algo com um
objetivo. Era uma forma de contra-atacar.” (pág.81)
Clara a menina que sobreviveu ao Holocausto
Clara Kramer e Stephen Glantz
Asa
1ª edição
2010
Tudo começa em julho de 1942 quando os nazis entram
em Zolkiew, cidade polaca onde Clara vive com a sua família (o pai, Meir, a
mãe, Salka, a irmã mais nova, Mania, o avô Dzadzio e a avó Babcia).
Zolkiew é, primeiramente, ocupada pelas tropas
soviéticas – alguns habitantes olham para os russos como a salvação da
comunidade, isto se os judeus souberem manter-se discretos e não os afrontarem.
O avô de Clara, não parece nada convencido de que os russos sejam a “salvação” (e
tinha motivos muitos válidos para a sua desconfiança). A quando da presença
soviética a grande ameaça era a de deportação para a Sibéria…os polacos bem
sabiam o que por lá se sofria…
“Amigo após amigo, e as respetivas famílias,
desapareciam no meio da noite. Eram acusados de ter demasiado dinheiro, ou de
serem lealistas polacos. Ou talvez fossem intelectuais cujas mentes se atreviam
a questionar o que os comunistas estavam a fazer em Zolkiew. Ou talvez tivessem
simplesmente dado voz à sua oposição ao comunismo, uma vez, vinte anos antes,
numa conversa de café. A razão era indiferente, o resultado era sempre o mesmo.
As famílias eram simplesmente deportadas. Deixavam de existir; nunca tinham
existido.” (pág.33)
Na família de Clara o primeiro a ser aprisionado
foi precisamente o avô.
Não é fácil viver com tranquilidade, Clara diz-nos “os russos
odiavam-nos porque não aderíamos aos seus princípios comunistas, e os nazis
odiavam-nos por causa da nossa religião.” (pág.40)
A carta que
recebe da sua amiga Sonia Maresky, deportada à um ano nas minas de carvão,
confirma o drama que se avizinha “Quando esta guerra acabar, apenas as
Korhony, as valas comuns, testemunharão que em tempos houve aqui um povo”
(pág.41) perspectiva assustadora mas, infelizmente, muito real.
Os russos retiram e, no seu lugar, aparecem os
nazis.
“Há terror e pânico na nossa cidade. Os judeus
estão a construir todo o tipo de bunkers: debaixo do chão, entre as paredes
duplas, em qualquer sítio onde consigam encontrar um lugar para se esconderem.
Outros procuram a ajuda dos gentios. Outros choram de desespero pela perda dos
entes queridos…” (pág.47)
Mania, Meir, Clara |
Escondidos pela família Beck (antes da chegada dos
invasores Julia Beck era governanta da família Schwarz) três famílias de
judeus (os Schwarz, os Patrontasch e os Steckel), instalam-se em condições
muitíssimo precárias e quase inumanas, mas que, lhes vão permitir sobreviver.
Houve rumores de que os Beck escondiam judeus…
Um enorme incêndio na rua que quase os obriga a
abandonar o esconderijo…foi essa a causa da morte de Mania, de resto é a perda
mais sentida por Clara e seus pais (Mania, aterrorizada com o fogo, fugira do
bunker quando o incêndio consumia as casas vizinhas, foi denunciada, capturada
e, possivelmente, torturada; acabou por ser executada e o seu corpo deitado
para uma vala comum). Mania era a pequena lutadora que nunca desistia nem
deixava ninguém desistir, fora ela a responsável pela decisão de tentarem
escapar escondidos no bunker, mas agora estava morta (como tantos outros
familiares e amigos) sem justificação, sem razão, sem que pudesse ser feito o
luto que o judaísmo prescrevia…
A ausência dos Beck durante vários dias em
diferentes ocasiões – significava a falta de alimentos e água potável para os
que estavam escondidos...
Os alemães e os SS que vivem temporariamente na
casa…tantos motivos para serem descobertos…a angústia permanente!
“Quantas vezes neste último ano tivera eu de
enfrentar o momento da minha morte iminente? Cinco? Dez? Vinte? Certamente mais
vezes do que aquelas em que tive a barriga cheia. Em que tive de me preparar,
de imaginar, a bala e o clarão no cano da espingarda, ou o machado, ou qualquer
outra arma. De imaginar a dor, o inferno de ser arrastada pelas ruas e atirada
para um comboio e levada para um campo.” (pág.215)
Cada capítulo é iniciado com um excerto do diário
original, um diário escrito, não o podemos esquecer, por uma jovem adolescente
que, na altura escrevia exatamente o que sentia sobre o dia-a-dia no bunker,
apenas com a preocupação de deixar registada a verdade para o caso de não
conseguirem sobreviver e deixarem o testemunho do medo mas também da esperança.
O bunker! |
A vida no bunker é difícil, muito difícil, não fora
o bom coração de toda a família Beck e tudo teria sido insuportável – ao longo
do seu relato, Clara, não se cansa de descrever as boas ações do Sr. Beck, figura
que a inspira, lhe dá força e lhe serve de exemplo. O Sr. Beck, apesar do seu
aparente mau feitio, é a réstia de esperança, o rosto Humano no meio de tanta
desumanidade.
“Quando olho para trás, relendo o meu diário, o
facto de os oito da minha família terem sobrevivido parece-me um milagre, muito
mais agora do que me pareceu na altura. Não há uma razão lógica para a nossa
sobrevivência. Não foi a força de vontade que nos salvou. Quantos, com tanta
força como nós, não sobreviveram? Tivemos sorte, sim, mas foi mais do que isso.
Quantos foram salvos uma e outra vez pela sorte, para acabarem apenas por
perecerem no fim? Basta ter azar uma vez. A única coisa que nós tínhamos e os
outros não, era os Beck. Tudo o que aprendi sobre amor, honra e coragem,
aprendi com eles. Depois de tudo o que fizeram por nós no bunker, sei que nada
na vida é impossível.” (pág.322)
A fome é uma presença constante. Clara fala-nos de
batatas cozidas como refeição principal, pão (duro e escuro) e água fervida são
outros dos produtos consumidos diariamente (mas em pequeníssimas quantidades!) “Uma chávena de
“café” e uma fatia de pão de manhã. Sopa aguada ao almoço. E uma batata, do
tamanho de uma noz, ao jantar.” (pág.218)
Clara dá-nos, também, um vislumbre da vida no
gueto, das valas de execução, das pilhas de cadáveres por sepultar, das
deportações para os campos de trabalho, as denúncias…e das dificuldades que os
judeus continuam a sentir no pós-guerra “A saga dos judeus nos campos de deslocados, onde
estiveram anos, muitas vezes atrás de arame farpado, merecia que alguém a
contasse, e espero que algum escritor se dedique a essa tarefa. O mundo pura e
simplesmente não sabia onde os pôr.” (pág.325)
Clara, dando testemunho sobre o Holocausto, numa Escola Secundária |
Um livro que vale muito a pena ler!!