quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Sobre o Holocausto - Elie Wiesel



     Elie Wiesel nasceu a 30 de setembro de 1928, na cidade de Sieghet, na Roménia.
Elie Wiesel

   Elie, um jovem adolescente judeu, estudava com afinco e dedicação o Talmude e desejava ser iniciado nos mistérios da Cabala. É apanhado pela máquina de destruição nazi em 1944. Sobrevive aos campos de concentração de Auschwitz, Buna e Buchenwald, idealizados e controlados pelos nazis. Nos campos de extermínio perde a mãe, o pai e a irmã mais nova. Depois da guerra é recolhido num orfanato em França. Será em Paris que completará os seus estudos e se tornará jornalista. Em 1963 torna-se cidadão americano e viverá o resto da sua vida nos EUA.

   Jornalista e escritor (publicou 57 livros) é distinguido com a atribuição do Prémio Nobel da Paz 1986 – esta e outras distinções que recebeu ao longo da sua vida pretendem sublinhar a importância da sua vasta obra dedicada a resgatar a memória do Holocausto e a defender outras vítimas de perseguições.

   Ativista pelos Direitos Humanos e incansável promotor da educação sobre o Holocausto – fundador da Elie Wiesel Foundation for Humanity (ver em: http://www.eliewieselfoundation.org/aboutus.aspx)

   Teve um papel decisivo na criação do Museu do Memorial do Holocausto, em Washington, nos EUA (ver em: https://www.ushmm.org/)

“Pelos mortos e pelos vivos, temos que passar o testemunho”
   Morreu a 2 de julho de 2016, em Manhattan, EUA.


   Elie Wiesel só começa a escrever sobre a (sobre)vivência durante o Holocausto depois de 1954. A primeira versão de "Noite" era um livro emotivo, com mais de oitocentas páginas, intitulado “E o mundo ficou em silêncio”, redigido em iídiche. Em 1958 publica “Noite”, escrito em francês, uma versão mais curta da obra inicial, que se revela um sucesso (atualmente conta com tradução em trinta línguas e mais de 6 milhões de exemplares vendidos).

  “Noite” faz parte de uma trilogia de memórias sobre o Holocausto que inclui “Amanhecer” e “Dia”.




Noite

Texto Editora

5ª edição

2015



Livro recomendado pelo PNL para projetos relacionados com a História Universal, no Ensino Secundário



   As memórias e dolorosas experiências vividas por Elie durante o Holocausto.

   Wiesel começa por recordar a sua infância, a casa onde vivia, em Sieghet, com a sua família (Shlomo, o pai, Sarah, a mãe, e as irmãs Hilda, Béa e Tzipora). Com estas recordações apresenta-nos Moché Bedel, o judeu estrangeiro que consegue escapar à morte (a cidade fora anexada pela Hungria em 1940 e estes judeus são os primeiros a serem deportados e mortos)  e regressar a Sieghet com o propósito de avisar sobre os perigos que esperam TODOS os judeus “Ele estava mudado. Os seus olhos já não refletiam alegria. Já não cantava. Já não falava de Deus nem da Cabala, mas apenas do que tinha visto. Mas as pessoas não só se recusavam a acreditar nas suas histórias, como também se recusavam a escutá-las”. (pág.21)

     Na primavera de 1944 a comunidade judaica regozija-se com as animadoras notícias da frente russa, a libertação não deve tardar e perante os avanços russos certamente que nem Hitler terá coragem para continuar a mandar perseguir os judeus…

   Contra as expetativas as tropas alemãs entram na Hungria e chegam a Sieghet. Sucedem-se vários decretos antissemitas que, numa primeira fase, culminam na deslocação dos judeus para dois guetos. Os judeus mais otimistas persistem em encarar com esperança esta nova realidade – afinal assim a comunidade está até mais junta e unida… “Não eram os alemães nem os judeus quem reinava no gueto – era a ilusão” (pág.26)

   Em maio de 1944, com autorização da Hungria, os nazis começam a deportação da comunidade judaica de Sieghet.

   Colocados no vagão de transporte de gado são informados “- Neste vagão, vocês são oitenta (…) Se faltar alguém, serão todos abatidos, como cães…” (pág.38). A viagem é um prenúncio dos infindáveis sofrimentos que se seguirão. “Diante de nós, aquelas chamas. No ar, o odor a carne queimada. Deveria ser meia-noite. Tínhamos chegado. A Birkenau.” (pág.42) A mãe e Tzipora (de apenas oito anos) não sobrevivem.

“Nunca esquecerei aquela noite, a primeira noite no campo, que fez da minha vida uma noite longa e sete vezes aferrolhada.

Nunca esquecerei aquele fumo.

Nunca esquecerei os pequeninos rostos das crianças cujos corpos eu vi transformarem-se em espirais sob um céu mudo.

Nunca esquecerei aquelas chamas que consumiram para sempre a minha Fé.

Nunca esquecerei aquele sentimento noturno que me privou, para a eternidade, do desejo de viver.

Nunca esquecerei aqueles momentos que assassinaram o meu Deus e a minha alma, e que transformaram os meus sonhos em cinzas.

Nunca esquecerei, mesmo que tenha sido condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus.

Nunca.” (pág.48)

Buna - interior da fábrica IG Farber
Elie e o Pai são enviados para o campo de trabalho de Buna, onde trabalham durante oito meses. A fome, sempre a fome, os castigos, as injustiças, a ganância dos que mandam, o frio, as doenças e, sempre, sempre o medo.

    A 29 de janeiro de 1945, Schlomo morre (subalimentado, gravemente doente e vítima de sucessivas agressões perpetradas por “colegas” de trabalho e por soldados alemães). O campo seria libertado em abril…

    “Queria ver-me ao espelho (Desde o gueto que não me via a mim mesmo. Do fundo do espelho, um cadáver comtemplava-me. O seu olhar nos meus olhos nunca me abandonou.” (pág.134) Elie tinha 16 anos!

    Deus e o Homem morrem na alma desde rapaz quando se vê confrontado com o que definirá (tal como o fazem outros sobreviventes) com o mal absoluto!

    Uma narrativa sentida, que perturba e emociona.


Dia

Texto Editora

1ª edição

2004



    A morte que não é somente morte física mas também a morte da Humanidade, da Ética, de Deus…

     Diferente de “Noite”, “Dia” não é um relato de memórias mas sim uma narração, quase romanceada, que nos conduz aos efeitos devastadores da experiência do Holocausto na mente de um sobrevivente “Eu sabia que o nosso sofrimento nos muda. Mas ignorava que também destruía os outros” (pág.9). Em nenhum momento Elie Wiesel nos diz que é personagem central desta história, adivinhamos que é a sua história de pós-guerra quando acompanhamos o internamento de um indivíduo que foi vítima de um atropelamento (acidental ou provocado pelo próprio?). A convalescença e lenta recuperação são também (e sobretudo) um longo percurso interno que se lhe impõe para que consiga ser mais do que um sobrevivente do horror que viveu no passado e que o acompanha com a presença constante dos seus fantasmas. Trata-se de viver e não apenas de sobreviver. Trata-se de ultrapassar a culpa de ter conseguido aquilo que tantos, mas tantos, não conseguiram “Assim vai o mundo: não são os carrascos que são torturados pela vergonha, mas as suas vítimas. A grande vergonha de ter sido escolhido pelo destino” (pág.40).

    E por fim o vislumbre de que, pelo menos, tentará libertar-se dos fantasmas, do azedume, da revolta, da culpa…

“O homem tem o dever de continuar a andar, a procurar, a ponderar, a estender a mão, a sofrer, a inventar.” (pág.123)