Elie, um jovem adolescente judeu, estudava com
afinco e dedicação o Talmude e desejava ser iniciado nos mistérios da Cabala. É
apanhado pela máquina de destruição nazi em 1944. Sobrevive aos campos de
concentração de Auschwitz, Buna e Buchenwald, idealizados e controlados pelos
nazis. Nos campos de extermínio perde a mãe, o pai e a irmã mais nova. Depois
da guerra é recolhido num orfanato em França. Será em Paris que completará os
seus estudos e se tornará jornalista. Em 1963 torna-se cidadão americano e
viverá o resto da sua vida nos EUA.
Jornalista e escritor (publicou 57 livros) é
distinguido com a atribuição do Prémio Nobel da Paz 1986 – esta e outras
distinções que recebeu ao longo da sua vida pretendem sublinhar a importância
da sua vasta obra dedicada a resgatar a memória do Holocausto e a defender
outras vítimas de perseguições.
Ativista pelos Direitos Humanos e incansável promotor
da educação sobre o Holocausto – fundador da Elie Wiesel Foundation for
Humanity (ver em: http://www.eliewieselfoundation.org/aboutus.aspx)
Teve um papel decisivo na criação do Museu do
Memorial do Holocausto, em Washington, nos EUA (ver em: https://www.ushmm.org/)
“Pelos mortos e pelos vivos, temos que passar o testemunho” |
Elie Wiesel só começa a escrever sobre a
(sobre)vivência durante o Holocausto depois de 1954. A primeira versão de "Noite"
era um livro emotivo, com mais de oitocentas páginas, intitulado “E o mundo
ficou em silêncio”, redigido em iídiche. Em 1958 publica “Noite”, escrito em
francês, uma versão mais curta da obra inicial, que se revela um sucesso
(atualmente conta com tradução em trinta línguas e mais de 6 milhões de
exemplares vendidos).
“Noite” faz parte de uma trilogia de memórias sobre
o Holocausto que inclui “Amanhecer” e “Dia”.
Noite
Texto Editora
5ª edição
2015
Livro recomendado pelo PNL para projetos
relacionados com a História Universal, no Ensino Secundário
As memórias e dolorosas experiências vividas por
Elie durante o Holocausto.
Wiesel começa por recordar a sua infância, a casa
onde vivia, em Sieghet, com a sua família (Shlomo, o pai, Sarah, a mãe, e as
irmãs Hilda, Béa e Tzipora). Com estas recordações apresenta-nos Moché Bedel, o
judeu estrangeiro que consegue escapar à morte (a cidade fora anexada pela
Hungria em 1940 e estes judeus são os primeiros a serem deportados e mortos) e regressar a Sieghet com o propósito de
avisar sobre os perigos que esperam TODOS os judeus “Ele estava mudado. Os seus
olhos já não refletiam alegria. Já não cantava. Já não falava de Deus nem da
Cabala, mas apenas do que tinha visto. Mas as pessoas não só se recusavam a
acreditar nas suas histórias, como também se recusavam a escutá-las”. (pág.21)
Na primavera de 1944 a comunidade judaica
regozija-se com as animadoras notícias da frente russa, a libertação não deve
tardar e perante os avanços russos certamente que nem Hitler terá coragem para
continuar a mandar perseguir os judeus…
Contra as expetativas as tropas alemãs entram na
Hungria e chegam a Sieghet. Sucedem-se vários decretos antissemitas que, numa
primeira fase, culminam na deslocação dos judeus para dois guetos. Os judeus
mais otimistas persistem em encarar com esperança esta nova realidade – afinal assim
a comunidade está até mais junta e unida… “Não eram os alemães nem os judeus
quem reinava no gueto – era a ilusão” (pág.26)
Em maio de 1944, com autorização da Hungria, os
nazis começam a deportação da comunidade judaica de Sieghet.
Colocados no vagão de transporte de gado são
informados “- Neste vagão, vocês são oitenta (…) Se faltar alguém, serão todos
abatidos, como cães…” (pág.38). A viagem é um prenúncio dos infindáveis sofrimentos
que se seguirão. “Diante de nós, aquelas chamas. No ar, o odor a carne
queimada. Deveria ser meia-noite. Tínhamos chegado. A Birkenau.” (pág.42) A mãe
e Tzipora (de apenas oito anos) não sobrevivem.
“Nunca esquecerei aquela noite, a primeira noite no
campo, que fez da minha vida uma noite longa e sete vezes aferrolhada.
Nunca esquecerei aquele fumo.
Nunca esquecerei os pequeninos rostos das crianças
cujos corpos eu vi transformarem-se em espirais sob um céu mudo.
Nunca esquecerei aquelas chamas que consumiram para
sempre a minha Fé.
Nunca esquecerei aquele sentimento noturno que me
privou, para a eternidade, do desejo de viver.
Nunca esquecerei aqueles momentos que assassinaram
o meu Deus e a minha alma, e que transformaram os meus sonhos em cinzas.
Nunca esquecerei, mesmo que tenha sido condenado a
viver tanto tempo quanto o próprio Deus.
Nunca.” (pág.48)
Buna - interior da fábrica IG Farber |
A 29 de janeiro de 1945, Schlomo morre
(subalimentado, gravemente doente e vítima de sucessivas agressões perpetradas
por “colegas” de trabalho e por soldados alemães). O campo seria libertado em
abril…
“Queria ver-me ao espelho (Desde o gueto que não me
via a mim mesmo. Do fundo do espelho, um cadáver comtemplava-me. O seu olhar
nos meus olhos nunca me abandonou.” (pág.134) Elie tinha 16 anos!
Deus e o Homem morrem na alma desde rapaz quando se vê confrontado com o que definirá (tal como o fazem
outros sobreviventes) com o mal absoluto!
Uma narrativa sentida, que perturba e emociona.
Dia
Texto Editora
1ª edição
2004
A morte que não é somente morte física mas também a
morte da Humanidade, da Ética, de Deus…
Diferente de “Noite”, “Dia” não é um relato de
memórias mas sim uma narração, quase romanceada, que nos conduz aos efeitos devastadores
da experiência do Holocausto na mente de um sobrevivente “Eu sabia que o nosso
sofrimento nos muda. Mas ignorava que também destruía os outros” (pág.9). Em
nenhum momento Elie Wiesel nos diz que é personagem central desta história,
adivinhamos que é a sua história de
pós-guerra quando acompanhamos o internamento de um indivíduo que foi vítima de
um atropelamento (acidental ou provocado pelo próprio?). A convalescença e
lenta recuperação são também (e sobretudo) um longo percurso interno que se lhe
impõe para que consiga ser mais do que um sobrevivente do horror que viveu no
passado e que o acompanha com a presença constante dos seus fantasmas. Trata-se
de viver e não apenas de sobreviver. Trata-se de ultrapassar a culpa de ter
conseguido aquilo que tantos, mas tantos, não conseguiram “Assim vai o mundo:
não são os carrascos que são torturados pela vergonha, mas as suas vítimas. A grande
vergonha de ter sido escolhido pelo destino” (pág.40).
E por fim o vislumbre de que, pelo menos, tentará
libertar-se dos fantasmas, do azedume, da revolta, da culpa…
“O homem tem o dever de continuar a andar, a
procurar, a ponderar, a estender a mão, a sofrer, a inventar.” (pág.123)