Sobrevivi ao Holocausto
Nanette Blitz Konig
20/20 Editora
1ª edição
Novembro 2010
“Infelizmente, não existe o botão «Delete» na minha
mente. Gostaria de poder apagar o que vi e vivi e, especialmente, a sensação de
sofrimento.(…) Mas depois, penso: de que me adiantaria esquecer? O que ganharia
com isso? Paz? Talvez, mas uma paz falsa, uma paz cega, pois sei que esquecer é
permitir que outros, nos nossos piores pesadelos, também possam passar por
isso.” (pág.9)
“Nunca mais acontecer… O tempo
escorre entre os nossos dedos. O Holocausto distancia-se cada vez mais, mas,
ainda assim, temos de mantê-lo sempre presente. É triste, mas o mundo ainda
sofre tanto com guerras… Vou morrer a lutar para que outros seres humanos não
sofram nem percam a sua dignidade, como aconteceu com os judeus naquela época,
como aconteceu comigo. A necessidade de contar essa história nasce da
necessidade de consciencializar o mundo. ” (pág.169)
Nanette nasceu a 6 de abril de 1929, em Amesterdão.
A sua vida muda radicalmente, numa manhã de
setembro de 1943, quando batidas violentas na porta da frente, anunciam que é a
vez da sua família abandonar a casa para ser transportada para o campo de
trabalho (ou para um campo de extermínio -só saberiam para qual quando
chegassem ao destino).
O pai, Martjin, a mãe, Helen, o irmão, Bernard, de
16 anos, e ela própria, eram, obviamente, judeus (ainda que não muito
cumpridores dos preceitos religiosos do judaísmo) e, por serem judeus, teriam
de morrer “Um
dia, sem termos cometido nenhum delito, eu e a minha família fomos
enclausurados e isolados da sociedade. Esse destino é reservado somente aqueles
que não conseguem viver em comunidade. Que crime teríamos cometido para estar
ali? Ser judeu tornou-se um crime, e nós iríamos sofrer por isso”
(pág.73) – da sua família Nanette é a única que sobrevive…quando
o campo de Bergen-Belsen é libertado pelas tropas inglesas, Nanette tem 16
anos, pesa 31 quilos, está viva e completamente sozinha…
Nanette, aos 86 anos, na sua casa no Brasil |
1º a
segregação: as crianças judias são obrigadas a abandonar as escolas públicas e
só têm autorização para estudar em locais só para judeus. Será no Liceu judaico
que conhece Anne Frank que voltará a encontrar, ainda que por breves momentos,
no campo de concentração.
Anette no Liceu Judaico |
“Já não podia andar de bicicleta. Transportes públicos, parques públicos e
cinemas também eram proibidos, e vários estabelecimentos comerciais exibiam a
placa que tanto me angustiava: PROIBIDO A JUDEUS. De modo a poder frequentar os
poucos lugares a que estávamos autorizados a ir, era necessário usar a Estrela
de David amarela que nos identificava como judeus, algo que fazia com que eu me
sentisse extremamente vulnerável. Além disso, os judeus não podiam ser
proprietários de nenhuma empresa ou mesmo exercer as suas profissões.” (pág.23)
2º os desaparecimentos: Nanette apercebia-se de
que, de um dia para o outro, muitos amigos e conhecidos simplesmente
desapareciam – se fugiam, se se escondiam ou se eram deportados, isso não se
sabia ao certo.
3º o campo de transição – Westerbork: a família de Nanette integrava uma espécie de
lista
de “privilegiados”, a Lista
Palestina, que os isentava de usar a tão conhecida roupa às riscas ou de
ter o cabelo cortado/rapado. A que se devia este
privilégio? Antes da ocupação nazi, o
pai de Nanette, era um dos diretores do Banco de Amesterdão, posição de grande
destaque que lhe valia agora, quando aprisionado pelos alemães, poder ser
utilizado, como uma espécie de moeda de troca, por prisioneiros alemães.
Campo de Westerbork |
Aí
permanecem 4 longos meses…
4º o campo de Bergen-Belsen: a 15 de fevereiro de
1944 o comboio, onde são obrigados a embarcar, leva-os a Bergen-Belsen…
Campo de Bergen-Belsen |
“A vida num campo de concentração
está para além do compreensível. (…) Muitas vezes, nem quem passou por isto
sabe exprimir o que vivenciou, lutando para esquecer qualquer vestígio desses
tempos.” (pág.73)
O pai morre, desnutrido, cansado, maltratado, vítima de um fulminante ataque de coração.
A mãe é transferida para Magdeburgo onde morrerá.
O
irmão é transferido para o campo de Oranienburg. Morrerá também.
5º a libertação: “Assim que os libertadores chegaram
a Bergen-Belsen, deram-lhe o nome de «The Horror Camp» ou «O Campo do Horror». A
desumanização daqueles que ainda lá viviam era tão grande que era impossível de
os classificar como sobreviventes” (pág.141,142)
Quando
finalmente se inicia a libertação do campo, centenas de prisioneiros continuam
a morrer, mortes devidas à doença e ao estado de desnutrição dos organismos que
agora não conseguem aguentar os alimentos que lhes são dados.
Um destaque especial para a sua preocupação em
relatar-nos o que é preciso ainda fazer antes que possa iniciar-se a evacuação –
é importante que se compreenda que não foi apenas abrir os portões e deixar
cada um regressar às suas casas; os ex-prisioneiros não estavam sequer em
condições de caminhar; as suas “casas” já não eram suas; a maior parte das
pessoas eram, nesse momento apátridas; o caminho para a “liberdade” era ainda muito,
mas muito, longo e penoso…O sofrimento não cessou no exato momento em que os
alemães entregam o campo aos ingleses, o sofrimento permanece, a degradação
física é indescritível, as marcas psicológicas permaneceram sempre!
“Depois do campo de
Bergen-Belsen ter sido incendiado e fechado, uma placa foi afixada na entrada:
«Dez mil mortos foram encontrados aqui, outros treze mil morreram desde então,
todos vítimas da nova ordem alemã na Europa e um exemplo da cultura nazi».” (pág.156)A placa na entrada de Bergen-Belsen |
6º a vida de uma sobrevivente: nas
suas próprias palavras “Como iria sobreviver sozinha e sem dinheiro nem mundo
que não era nada cordial com os sobreviventes do Holocausto?” (pág.169)
Foto da autora http://www.vogais.pt
Foto de Westerbork http://loewenhardtfoundation.org/en/2012/growing-up-in-westerbork/
Fotos de Bergen-Belsen http://www.holocaustresearchproject.org/othercamps/bbelsen.html