quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Sobre o Holocausto - Chil Rajchman



   
Chil Rajchman
Chil Rajchman nasceu a 14 de junho de 1914, em Lotz, na Polónia, numa família de judeus, composta pelos seus pais e cinco irmãos.
Quando a Polónia é invadida pela Alemanha, a 1 de setembro de 1939, a família Rajchman começa a separar-se numa tentativa de escapar às políticas antijudaicas impostas pelos nazis - no final da guerra, só Chil e o seu irmão Jacobo continuam vivos...
    Com 25 anos abandona Lotz, levando consigo a sua irmã Rivke, em direção a Pruszkow onde trabalha três vezes por semana num campo de trabalho. Daí, os dois, serão deportados para o gueto de Varsóvia, onde vivem uns meses, e, mais tarde, para Lublin de onde serão enviados para Treblinka. Chil tinha então 28 anos, estávamos em outubro de 1942.


      Chil é um dos poucos sobreviventes do campo de extermínio de Treblinka, dos poucos que podem contar a história deste local e testemunhar a sua existência (um dos 57 sobreviventes dos 750 000 (?) judeus enviados para Treblinka para serem gaseados). É um dos revoltosos que participa na rebelião de 2 de agosto de 1943, consegue fugir e permanece escondido (em diferentes lugares) até ao final da guerra.

   
    É durante o tempo que permanece escondido que decide redigir este testemunho, é preciso que o mundo saiba...se for recapturado e morto ficarão os seus escritos para provar os horrores de Treblinka. Talvez seja pelo facto de escrever ainda durante a guerra que se nota, no seu relato, uma urgência traduzida numa escrita muito direta e sem artifícios, o que sente é o que realmente escreve - a leitura do seu testemunho pode, por isso mesmo, chocar os mais sensíveis. Não procura reflectir sobre a realidade de que escapou, tão somente pretende registar o que viu e sentiu.
    O que nos descreve são momentos de muita crueldade e desumanização: 
- Chil introduz-nos no campo de extermínio de Treblinka II no momento da chegada dos vagões superlotados (os comboios traziam entre 50 a 60 vagões dos quais 20 eram separados e conduzidos ao campo de extermínio, transportando cerca de 2000 pessoas...)
Estação de Treblinka, alguns anos após o final da Guerra
"Os vagões tristes transportam-me para este lugar. Vêm de toda a parte: de leste e de oeste, do norte e do sul. De dia como de noite, em todas as estações: primavera, verão, outono, inverno. Os comboios chegam lá sem percalços, incessantemente, e Treblinka prospera a cada dia que passa. Quantos mais chegam, mais Treblinka consegue absorver." (Pág.21)
 
Seleção
- a formação de duas filas distintas (mulheres, de um lado, homens de outro, independentemente da idade...), 
- o deixar de todos os bens (incluindo a roupa que vestiam), 
- a seleção dos jovens para o trabalho (integrariam os tão polémicos sonderkommando), 
- a intervenção dos cabeleireiros",
"E assim desfilaram centenas de mulheres, numa confusão de gritos e soluços. Quanto a mim, tinha-me tornado o autómato que as despojava da sua cabeleira." (Pág.47)

Reconstituição do Campo de Treblinka
- a passagem pelo "corredor" que conduz às câmaras de gás, 

"No fim do Schlauch encontra-se um edifício branco assinalado por uma grande estrela de David. Está um alemão nos degraus que aponta a entrada é diz sorrindo: "Façam favor!" Uns poucos de degraus conduzem a um corredor decorado com flores. Das paredes pendem umas toalhas compridas.

A câmara de gás mede sete metros por sete. No meio da sala há uns ralos de duche por onde chega o gás. Um tubo corre ao longo da parede para extrair o ar. As portas são calafetadas.
O edifício dispõe de dez câmaras de gás como esta. Um pouco adiante, uma construção mais pequena abriga outras três." (Pág.30)
- a cremação dos corpos depois de gaseados...
- os gritos dos assassinos, 
- as súplicas das vítimas, 
- os chicotes que não param de vergastar os corpos dos que vão morrer e dos que "trabalham"...
- a invenção do "grelhador" pelo SS Herbert Hoss, especialista em cremação...
- a fome, o frio, as tarefas (quando se tenta descrever o indescritível...), a doença, o MEDO, a MORTE, a AGONIA infinita, a revolta... 

"Sim, sobrevivi um ano nas piores condições de Treblinka. Depois da revolta do campo, passei dois meses às voltas antes de chegar a Piastow. Em seguida, após a insurreição de Varsóvia, passei três meses e meio num bunker da capital até ser libertado, a 17 de janeiro de 1945.
Sim, sobrevivi e sou livre, mas para quê? Muitas vezes faço a mim próprio está pergunta. Para contar o assassínio de milhões de vítimas inocentes, para dar testemunho do sangue inocente derramado por esses assassinos.
Sim sobrevivi para dar testemunho desse grande matadouro: Treblinka." (Pág.139)
     Um testemunho muito inquietante mas que, por isso mesmo, não pode ser ignorado.
Treblinka, nos dias de hoje

  O campo de Treblinka II é completamente arrasado pelos nazis em 1943. Pretendia-se destruir toda e qualquer evidência do extermínio aí perpetrado (estima-se que o número de judeus gaseados e reduzidos a cinzas ronde os 870.000 a 925.000). Logo após o final da Guerra a existência deste campo de extermínio foi, muitas vezes, posta em dúvida, apesar do testemunho dos poucos sobreviventes. Atualmente o local está convertido num memorial às vítimas e estudos (e escavações) procuram desvendar os vestígios que os nazis tão bem conseguiram ocultar.
     Com o fim da guerra acaba por ir viver para o Uruguai onde recomeça a sua vida, sempre preocupado com valores associados à justiça, à tolerância e ao respeito pela diversidade.

    Morre a 7 de maio de 2004, em Montevidéu. Terá manifestado a vontade de que este seu relato só fosse publicado após a sua morte e assim foi.

 
Treblinka (fotos tiradas pelos nazis) em
http://www.holocaustresearchproject.org/ar/treblinka/treblinkagallery/index.html